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A evolução da paternidade depende de uma revolução na sociedade

Dados mostram que os pais estão mais participativos nos cuidados com os filhos. Porém, ainda há muito a avançar e mudanças culturais são necessárias

Distinção

Carlos Drummond de Andrade

O Pai se escreve sempre com P grande
em letras de respeito e de tremor
se é Pai da gente. E Mãe, com M grande.
O Pai é imenso. A Mãe, pouco menor.
Com ela, sim, me entendo bem melhor:
Mãe é muito mais fácil de enganar.
(Razão, eu sei, de mais aberto amor)

 

Apesar de a consagrada obra de Carlos Drummond de Andrade, poeta que viveu no século XX, manter-se atual em pleno século XXI, o poema acima não corresponde ao ideário contemporâneo sobre paternidade. Felizmente, a visão de pai descrita em “Distinção” já não condiz com o modelo que vem se desenhando nos últimos anos.

Naquela época, não era comum que a mulher trabalhasse fora, o que, entre outros fatores, garantia a ela o protagonismo nos cuidados com os filhos. Contraditoriamente, a sociedade, ainda constituída nos modelos patriarcais, dava ao homem uma dimensão de superioridade na hierarquia familiar: “O Pai é imenso. A Mãe, pouco menor”.

Dar afeto aos filhos era algo praticamente restrito à figura materna: “Razão, eu sei, de mais aberto amor”. No entanto, conforme o estudo "Retrato da Paternidade no Brasil", que analisou o impacto da figura paterna na educação das crianças e como o papel de pai tem mudado nos últimos anos, aquela figura tradicional de pai sério e distante, aos poucos, está ficando para trás.

A pesquisa ouviu homens das classes A, B e C, com filhos de 5 a 15 anos, de todas as regiões do país, e revelou que sessenta e dois por cento (62%) dos entrevistados afirmam que têm o hábito de beijar, abraçar e fazer carinho nos filhos. O afeto e a conexão também aparecem nas palavras: 57% dizem frases amorosas e encorajadoras para as crianças com frequência. 

Rejane Dutra de Oliveira, psicóloga do Campus Rio Pomba do IF Sudeste MG, comenta sobre as diferenças entre pais de antigamente e contemporâneos:

“Os papéis parentais vêm sofrendo mudanças significativas ao longo do tempo, o que, sem dúvida, implica em novas configurações para o exercício da paternidade. Alguns dos fatores aos quais se devem tais mudanças são: diferentes contextos históricos e socioculturais, múltiplos arranjos familiares, ingresso da mulher no mercado de trabalho, movimento feminista, avanços na legislação e demandas da contemporaneidade”, explica Rejane.

A você, leitor, que tem mais de 30 anos, proponho um exercício: Feche os olhos e tente imaginar seu avô trocando as fraldas do seu pai ou da sua mãe. Imaginou? A cena ficou engraçada? É provável que sim. Não estamos tentando aliviar para o seu avô, mas a cena de um homem trocando fraldas de um bebê não era algo comum de ser ver a 50 anos atrás. Ou seja, homens assumindo os cuidados com os filhos não constituía um padrão culturalmente aceito e valorizado.

“É preciso dizer que a visão da sociedade diante de um pai que, por exemplo, troca fraldas, dá banho, leva ao médico, ensina uma tarefa escolar, entre outros cuidados, atualmente é muito diferente do olhar de uma sociedade que tinha tais tarefas como exclusivas da mulher. Hoje, diferentemente de algumas décadas atrás, há uma demanda social para que os pais sejam mais participativos nos cuidados com os filhos", pondera a psicóloga.

E, apesar de ainda estarmos longe da igualdade na divisão de tarefas entre homens e mulheres, talvez para você, leitor, trocar a fralda de seu filho seja algo corriqueiro. Tomara.

Paternidade em (R)evolução

Os dados até comprovam que os homens estão mesmo se envolvendo mais na criação dos filhos, mas, no fim das contas, a maioria das tarefas ainda fica sob a responsabilidade das mães. Retrato disso é a frequência com que ouvimos um homem dizer que “ajudo minha companheira”. Quando a expressão mudar para “divido com minha companheira”, talvez a igualdade esteja mais próxima de ser atingida.  

E são os próprios pais que admitem a concentração de tarefas nas mulheres. A pesquisa descobriu que 90% dos homens acreditam que os cuidados diários com as crianças devem ser igualmente divididos entre os responsáveis — 69% dizem, inclusive, conversar sobre desigualdade de gênero com os filhos. Mas, na prática, não é exatamente isso que acontece. Quando questionados sobre a forma como acompanham o desenvolvimento das crianças, apenas 50% dos entrevistados se consideram “participativos” na rotina dos filhos e só 56% acreditam ser “ótimos pais”.

Um outro estudo, “Pais em Casa”, também comprova que a equidade ainda está distante. A pesquisa, iniciativa da plataforma 4Daddy e divulgada em matéria publicada no portal “Papo de Homem”, trouxe dados sobre a divisão de cuidados domésticos e educacionais entre pais e mães durante a pandemia de Covid-19. Foram ouvidas 1554 pessoas entre os meses de maio e agosto de 2020.

Entre casais com filhos, mães realizam 21% a mais horas de trabalho não remunerado (cerca de 36 minutos por dia) e possuem 15% menos tempo sem interrupções do que os pais. Apesar de um maior engajamento dos pais, estes acreditam em equidade, enquanto a mulher não tem a mesma percepção. São pontos de vista distintos sobre o mesmo tema.

Pais continuam privilegiando a realização de certas atividades e evitando outras, como lavagem de roupas. A maioria (70%) declara incluir no cotidiano tarefas como cuidado das crianças e atividades educacionais (funções menos realizadas antes do isolamento).

Tanto mães quanto pais (78% dos entrevistados) passaram a acumular mais trabalho com a casa e com os filhos. No entanto, as mães seguem sendo as principais responsáveis pelas tarefas: 74% delas afirmam passar mais tempo que os parceiros cuidando da casa e dos filhos.  

Enquanto 63% das mulheres com filhos realizam 3 ou mais horas de trabalho não remunerado por dia para as tarefas de cuidado, apenas 37% dos homens alegam gastar essa quantidade de tempo. Os demais pais responderam que dedicam menos tempo a estas tarefas.

Apesar da perceptível evolução da participação masculina nos cuidados com os filhos, como pudemos ver através dos dados acima, ainda há muita disparidade entre homens e mulheres quando se trata da divisão das tarefas. Exemplo disso é que o pai ainda “pode” escolher a tarefa a ser executada. Enquanto as mães, simplesmente as executem, sem direito a escolha.

Questão social

Além da evolução da participação paterna, é necessário, portanto, uma revolução em questões culturais, já que “culturalmente a mulher é reconhecida como mais bem preparada para os cuidados com os filhos e este reconhecimento não é sem consequências para o exercício da paternidade ativa”, reflete Rejane. 

A psicóloga cita alguns exemplos facilmente percebidos no dia a dia das famílias e que demonstram que a ideia de que a mulher é a pessoa ideal para cuidar dos filhos ainda perdura: a insegurança de muitas mães diante da possibilidade de deixarem uma criança sob os cuidados do pai; a própria legislação que, embora determine a guarda paterna, concede a guarda à mãe na maioria dos casos; a licença paternidade, incomparavelmente menor do que a licença maternidade, (não desconsiderando, de forma alguma, a condição física da mulher ao ter um filho).

Segundo Rejane, é preciso que a sociedade, como um todo, continue avançando no sentido de oferecer aos homens condições de exercerem o que vem sendo exigido deles: uma paternidade ativa e maior participação nas tarefas e cuidados familiares. Para ela, é inquestionável que, antes de tudo, é preciso querer ser pai, mas isso não é o suficiente se uma sociedade não cria condições para que ele o seja. 

Portanto, ter a paternidade ativa como modelo predominante é uma questão social, muito mais do que familiar. A separação entre ‘coisa de homem’ e ‘coisa de mulher’ é uma questão cultural muito forte em nossa sociedade e é responsabilidade de todos nós trabalharmos em prol de uma mudança. Cuidar também pode ser coisa de homem:

“Certamente, todos sairão ganhando, uma vez que cuidar exige muito e dividindo essa tarefa, a sobrecarga sofrida pela mulher poderá ser amenizada, os vínculos entre pais e filhos tendem a se fortalecer mais, pode refletir positivamente na relação entre os cuidadores, além de promover uma sociedade cada vez mais igualitária”, aponta Rejane. 

A premissa de que “não basta ser pai, tem que participar” é válida, porém, é preciso considerar os diferentes contextos e levar em consideração que, por mais que a sociedade como um todo esteja evoluindo no modo de exercer a paternidade, não há um modelo de pai a se seguir, como esclarece a psicóloga: "É importante salientar que a experiência dos homens em relação à paternidade é sentida e vivida de modo muito particular, ou seja, não há um modelo paterno único”. 

Para celebrar o Dia dos Pais, além de muito amor, um belo presente pode ser a reflexão sobre a paternidade ativa e sobre a igualdade na divisão das tarefas e responsabilidades familiares. Converse com seus filhos, DIVIDA e dê vida à sua companheira e, assim, estreite laços afetivos com seus filhos. Todos têm a ganhar!

O IF Sudeste MG deseja um dia dos pais com muito amor e reflexão a todos os pais e filhos de sua comunidade!

Referências

CUNICO, Sabrina Daiana; ARPINI, Dorian Mônica. A família em mudanças: desafios para a paternidade contemporânea. Pensando fam., Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 28-40, jul.  2013 .   

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