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Respeito e representatividade dão o tom à live do GT de Ações Afirmativas

Evento realizado pelo Grupo de Trabalho de Ações Afirmativas discutiu os desafios frente a pandemia de COVID-19.

Nesta segunda-feira, 28 de setembro, o IF Sudeste MG deu um importante passo na busca por representatividade de grupos tradicionalmente invisibilizados. O Grupo de Trabalho de Ações Afirmativas da instituição realizou a live com o tema “Covid-19: os Desafios de Negros, Mulheres e LGBTQIA+”. Esta é uma das ações e atividades que o grupo pretende realizar ainda este ano.

Na abertura, o mediador Urias Couto Gonçalves, do Campus Rio Pomba, falou um pouco das atividades do grupo e o objetivo da live “As ações afirmativas são políticas públicas que atendem a demandas da sociedade civil para minorias cujo direito passou a ter reconhecimento jurídico ou tem a busca por esse reconhecimento”, explicou.

Em seguida, apresentou os participantes da noite: Daniela Pereira Baliza, docente do Campus Bom Sucesso, representando o subgrupo “Mulheres”; Natalino da Silva de Oliveira, docente do Campus Muriaé, representando o subgrupo “Quilombolas, negros e indígenas” e Thales Gabriel T. de Moura, egresso do Campus São João del-Rei, representando o subgrupo “LGBTQIA+”.

 

Sobrecarga feminina 

Primeira a fala, Daniela Baliza apresentou o panorama dos desafios que as mulheres passaram a enfrentar com a pandemia: conciliar trabalho, afazeres doméstico e a educação dos filhos que estão em casa. Muitas trabalhadoras autônomas viram ainda seus recursos financeiros drasticamente reduzidos e ainda assumiram, por uma atribuição frequentemente associadas às mulheres pela sociedade e cultura patriarcal, o cuidado com os membros da família e demais ao redor. O entendimento de que cabe a mulher o papel de cuidadora, só aumenta a sobrecarga.

“É preciso se romper com a ideia de que o parceiro “ajuda”. As tarefas devem ser, na medida do possível, divididas”, colocou Daniela. Ela ainda relatou sua própria experiência de sobrecarga ao trabalhar em casa e educando o filho de seis anos, enquanto o marido trabalhar fora durante todo o dia e questionou que a instituição refletir sobre formas de redução desta sobrecarga, em especial às mulheres com filhos em idade escolar e que são alunas. “Muitas alunas são mães, trabalham fora de casa ou em casa, tem filhos estudando em casa, o que a nossa instituição pode fazer por essas alunas”, questionou Daniela, preocupada, especialmente, com a questão da evasão deste público. Daniela ainda citou algumas experiências exitosas na instituição como o Programa “Mulheres Mil” do Campus Barbacena, que promove há oito anos a autonomia de muitas mulheres em condições econômicas e sociais vulneráveis.

Nesse contexto, citou a Organização das Nações Unidas – ONU Mulheres que publicou a cartilha “Gênero e covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta”, na qual aborda aspectos e peculiaridades associadas às mulheres nesta crise de Covid-19.  Antes da pandemia as mulheres já gastavam quatro vezes mais tempo nas tarefas não remuneradas que os homens. Essa situação se agravou na pandemia.

Outro fator citado, foi o aumento dos casos de violência doméstica e abuso sexual que tem aumentado significativamente na pandemia. Segundo levantamento feito pelo site G1 somente estado de São Paulo contabilizou 5.559 boletins de ocorrência de violência doméstica feitos pela internet entre abril e junho deste ano. Isso representa uma média de 62 registros por dia, ou um a cada 23 minutos no período.

 

Racismo estrutural em pauta

Doutor em Literatura Comparada, o docente Natalino Oliveira. Primeiramente Natalino falou um pouco de sua trajetória pessoal. “Sou um homem negro e periférico. Moro na periferia em Muriaé e falo isso com muito orgulho” ressaltou e explicou que sua fala foi construída junto aos demais membros do subgrupo “Quilombola, negros e indígenas”. “Nossa cultura não vê essa perspectiva de protagonismo. Se o grupo não crescer, ninguém cresce. Nós crescemos juntos”.

Natalino fez uma pequena retrospectiva sobre os povos originários indígenas e sobre o processo de escravização do povo negro. Reforçou os desafios e oportunidades que foram, historicamente, tolhidas desses grupos e criticou a ideia de meritocracia: “houve um conjunto de fatores que me fizeram chegar onde estou, não fui melhor ou mais inteligente que ninguém. A meritocracia é um mito, assim como a democracia racial neste país”.

Sobre a influência da COVID-19 sobre os negros, quilombolas e indígenas, Natalino citou o autor Boaventura Souza Santos que falou sobre “a cruel pedagogia do vírus” e que a pandemia tornou ainda mais evidentes as desigualdades enfrentadas por esses povos. “A Organização Mundial de Saúde reconhece o racismo como um fator de adoecimento e morte na população brasileira”. Falou ainda que há preconceitos que se somam, que formam uma interseção, reforçando as barreiras pela busca por direitos e visibilidade como as questões de gênero, classe, geração e etnia, levando a maior discriminação.

Entre as populações quilombolas, apresentou os dados de que entre as 16 milhões de pessoas das mais de sete mil comunidades quilombolas, 30% são idosos, um público acometido de maneira mais grave pela COVID-19. Disse ainda que a partir de abril as internações de pessoas brancas reduziram e das populações negras aumentaram, o mesmo em relação ao óbitos, associado ao maior risco social dessa população. “A população negra também ocupa mais os trabalhos informais, como serviços de entrega, em 47%”, declarou. Sobre os povos originários, os indígenas, cerca de 33 mil casos foram registrados pela APIB (Articulação do Povos Indígenas do Brasil). Segundo Natalino, esse é um dado preocupante tendo em vista que essas comunidades são em locais de difícil acesso, com poucos recursos relacionados à saúde, ampliando a vulnerabilidade desses povos. “O racismo é um problema complexo e não podemos fugir em combater essa questão” e finaliza “O Instituto Federal está fazendo isso, dando importância a uma educação antirrascista. Não adianta dizer que não se é racista, se eu sou omisso, estou envolvido no racismo estrutural. É preciso ser antirracista. Vamos nos unir para superar essas dificuldades e juntos conjugar o verbo esperançar”.

 

Vulnerabilidade do público trans

Thales Moura é doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada e egresso do curso de Pós- graduação em Didática e Trabalho Docente do Campus São João del-Rei. Além de sua vivência acadêmica, Thales é um homem trans e relatou sua experiência de transição e o preconceito sobre o público LGBTQIA+, em especial a transfobia.

O aluno, assim como Natalino, reforçou seu lugar de privilégio em relação ao público trans que ainda não conseguiram alcançar esse espaço. “O período da pandemia está sendo extremamente crítico para a população LGBTQIA+, principalmente aqueles em situação de rua, em vulnerabilidade social e mulheres trans e travestis que atuam enquanto profissionais do sexo”, ressaltou. Thales citou diversas iniciativas que foram levantadas para o auxílio a esses grupos nas cidades de Belo Horizonte e Juiz de Fora. “Estamos falando de uma necessidade básica do público trans, eles precisam existir, precisam comer, é importante perceber o quanto isso é violento e a pandemia só agravou tudo isso”.

Um dado alarmante apresentado por Thales é a dificuldade em sua vida acadêmica de encontro com seus pares. Muito devido falta de representação. Segundo o estudante, somente 0,02% da população trans chega às universidades. Cerca de 90% desse público sobrevive pela exploração de trabalho como profissionais do sexo para sua subexistência. “O IF deve pensar ações efetivas de fazer com que essa população apareça na instituição. Isso é essencial, essas pessoas saberem que elas existem e podem estar ali”, reforça Thales. O temor do preconceito faz com que muitos trans se omitam sobre sua situação. Contando sobre sua experiência, o doutorando ressalta que não sofreu preconceito na UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei) onde fazia o mestrado ao mesmo tempo em que era aluno da pós-graduação no IF Sudeste MG.

 Mas, Thales já teve atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) negado em sua cidade, devido a sua transexualidade, assim como outros. “Infelizmente, é preciso ter sorte, na saúde pública, para ter um atendimento humanizado. Muitas vezes somos tratados como seres desprezíveis”, lamenta. Por isso, conta, que no período de transição passou por um isolamento social forçado pela transição, estando somente nos ambientes acadêmicos e alguns ambientes familiares em que se sentia mais confortável e seguro. “A experiência das pessoas trans, é uma experiência ad infinito de isolamento social”.

Depois das apresentações, Urias passou a fazer perguntas aos representantes enviados pelos participantes, finalizando assim o evento online que teve como norte relatos sobre os subgrupos que formam as Ações Afirmativas e sua busca por direitos e visibilidade.