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No Dia Internacional da Mulher, IF Sudeste MG reflete sobre desigualdades e conquistas

Mulheres do IF falam sobre estereótipos, desigualdades de gênero e conquistas e apontam educação como caminho para mudanças

Em tempos remotos, Aristóteles disse que “a arte imita a vida”. Sem a menor intenção de questionar o ilustre filósofo, eu diria que a arte representa a vida, e, mais do que isso, diria que a arte tem potencial para questionar e porque não, para mudar a vida.

Ainda falando de arte, e de vida, se em 1942, Ataulfo Alves disse que “Amélia é que era mulher de verdade”; em 2009, Pitty afirmou que “Ela é muita se você quer saber”. Lá nos anos 40, um homem determinar o que é mulher de verdade e celebrar a mulher sem vaidade numa música era algo coerente. Já nos anos 2000, uma mulher assume o seu lugar de fala, questiona desigualdades de gênero e exalta a multiplicidade feminina. A comparação entre essas duas letras nos diz muito sobre as realidades das épocas em que foram escritas.

Amélia não tinha a menor vaidade                                                   
Amélia é que era a mulher de verdade
É você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você tem você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era a mulher de verdade
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era a mulher de verdade
Trecho de "Ai que saudade de Amélia",
Ataulfo Alves, 1942
A despeito de tanto mestrado
Ganha menos que o namorado
E não entende porque
Tem talento de equilibrista
Ela é muita se você quer saber
Hoje aos 30 é melhor que aos 18
Nem Balzac poderia prever
Depois do lar, do trabalho e dos filhos
Ainda vai pra night ferver
Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar
Uooh
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Uooh
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é o também
Trecho de "Desconstruindo Amélia", Pitty, 2009
“A ideia estereotipada de uma mulher (a coisa) submissa, calada, sem vaidade, companheira do marido, trabalhadora do lar ficou presente na memória da sociedade patriarcal e machista que ainda predomina nos dias atuais”, reflete Wanderléia da Consolação Paiva, professora do Campus Barbacena.

E nem mesmo os quase 70 anos que separam as duas composições foram capazes de acabar com o estereótipo de mulher submissa que ainda assombra a nossa sociedade, tornando ainda mais difícil a conquista da igualdade de gêneros:

“A ideia estereotipada de uma mulher (a coisa) submissa, calada, sem vaidade, companheira do marido, trabalhadora do lar ficou presente na memória da sociedade patriarcal e machista que ainda predomina nos dias atuais”, reflete Wanderléia da Consolação Paiva, professora do Campus Barbacena.

Se por um lado, a mulher conquistou espaço no mercado de trabalho e nas universidades, por exemplo, por outro, ela acumulou funções que ainda continuam sendo vistas como “coisa de mulher”:

“Ainda temos um longo percurso pela frente em se tratando do que é preciso conquistar, mesmo com as conquistas dos últimos séculos, as mulheres vivenciam uma série de desigualdades devido ao seu gênero: são vítimas de feminicídio, realizam a maior parte das tarefas domésticas, são minoria em cargos de liderança e ganham menos do que os homens, ainda existe um preconceito enraizado em nossa sociedade quanto aos direitos das mulheres”, reflete Gislaine do Carmo Silva, que, no Campus São João del-Rei, trabalha como contínua e cursa Letras. 

Quem ratifica a fala de Gislaine é a professora do Campus Bom Sucesso Danielle Baliza, que desenvolve projetos de empoderamento feminino, especialmente com mulheres rurais:

“Muita coisa mudou desde 1942: a mulher saiu do ambiente doméstico para trabalhar fora desempenhando uma jornada dupla e até mesmo tripla. A mulher precisou trazer um salário para casa, mas ainda continuou sendo a maior responsável pelos cuidados com os filhos, com os pais, com a casa, ou seja, tivemos muitas conquistas, mas ainda temos muito o que conquistar”.

Por mais mulheres no poder

Segundo o IBGE (2018), no Brasil, as mulheres recebem em média ¾ do que o homem recebe pelo mesmo trabalho, e se a comparação for feita no meio rural, a discrepância é ainda maior, chegando a quase 36%. Os homens ocupam 60,9% dos cargos gerenciais, enquanto às mulheres cabem apenas 39,1%.

Conforme Baliza, a mulher tem sim mais autonomia, mais independência, maior visibilidade e está mais empoderada hoje em dia, contudo, dados estatísticos mostram que ainda estamos longe de conquistar a igualdade. Segundo o IBGE (2018), no Brasil, as mulheres recebem em média ¾ do que o homem recebe pelo mesmo trabalho, e se a comparação for feita no meio rural, a discrepância é ainda maior, chegando a quase 36%. Os homens ocupam 60,9% dos cargos gerenciais, enquanto às mulheres cabem apenas 39,1%.

Ter mais mulheres em espaços de poder é fundamental não só para nós, mas para a sociedade como um todo. O aumento do número de mulheres nas esferas de decisão, gera um efeito cíclico, que tende a diminuir a desigualdade e a gerar melhorias em diversos setores:

“Ainda somos poucas nos cargos de direção de instituições públicas e privadas. Isso é ruim porque se a gente tivesse mais mulheres nesses cargos, provavelmente elas puxariam outras, e só nós, mulheres, mulheres com filhos, mulheres que cuidam dos pais, é que sabemos das nossas necessidades e que podemos decidir por nós, porque sabemos realmente o que passamos. Também precisamos de um número maior de mulheres na política. E mais igualdade é bom não somente para as mulheres, mas para a sociedade como um todo. Estudos mostram que mulheres investem quase tudo o que ganham na família, o que retorna para a sociedade gerando, por exemplo, uma economia local mais desenvolvida”, avalia Danielle.

A Câmara dos Deputados possui apenas 15% de mulheres; e o Senado Federal,12%. Em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita nas eleições de 2020.

Falando em política, este ano comemoramos 90 anos do voto feminino, importante conquista das mulheres. No entanto, mesmo depois de tanto tempo, a participação feminina na política brasileira ainda é desproporcional: A Câmara dos Deputados possui apenas 15% de mulheres; e o Senado Federal,12%. Em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita nas eleições de 2020.

Conquistas

Como pondera a professora do Campus Barbacena Wanderléia da Consolação Paiva, quando falamos das conquistas das mulheres no Brasil, é preciso pensar sob diversas perspectivas:

“As conquistas femininas são fruto de muitas lutas de classe, grupos, ONG’s, movimentos e também de lutas individuais vividas por cada mulher consigo mesma que sofre no seio de seu lar, no seu trabalho, nos diferentes grupos em que vive na sociedade. Temos então as lutas visíveis (nas diferentes comunidades, nas praças, carregando bandeiras, manifestando em Brasília, panfletando movimentos de libertação, entre outras) e as lutas invisíveis (aquelas que são choradas no quarto à noite, que são refletidas nos dias, meses e anos, que trazem encorajamentos, dores e rupturas que são sentidas apenas por quem é protagonista da própria história)”, reflete Wanderléia.

Conquistas alcançadas

Conquistas almejadas

- Voto feminino (1932)

 

- Melhores condições trabalhistas (salários compatíveis aos dos homens que ocupam os mesmos cargos, ocupação de cargos de direção nas empresas)

 

- Criação da pílula anticoncepcional (1960)

 

- Mais acesso à educação (participação em cursos profissionalizantes e de nível superior)

- Lei do Divórcio (1977)

 

- Maior ocupação do campo político

- Criação do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (1987)

 

- Mais coragem e mais apoio para denunciar (e manter a denúncia) seus agressores

- Lei Maria da Penha (2006)

 

- Somar forças com/nas diferenças (nas lutas das mulheres negras, mulheres idosas, mulheres do campo, ribeirinhas, dentre outras)

- Lei do Feminicídio (2015)

 

- Maior valorização e aceitação da mulher trabalhadora e mãe

 

- Menor objetificação do corpo feminino

Além do quadro acima, a fala da diretora de Extensão, Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação do Campus Santos Dumont, professora Lívia Meneguitte Ávila é capaz de resumir as conquistas que ainda precisamos alcançar ou consolidar rumo à igualdade de gêneros:

"Ainda precisamos ter voz e vez nos contextos político, profissional e familiar. Precisamos urgentemente equiparar os salários com os de nossos colegas homens que exercem função similar. Também ocupar novas profissões que envolvem Ciência e Tecnologia, bem como exercer altos cargos de gestão. Queremos ser vistas como profissionais capazes, e não só como possíveis genitoras que abandonarão o trabalho. Se houvesse igualdade na criação de filhos, esse estigma de que a mulher é menos produtiva ou menos disponível não existiria. Precisamos, ainda, ser vistas nos mais diversos aspectos com igualdade e não como gênero fragilizado que precisa ser protegido. Precisamos concretizar o direito sobre os nossos corpos e as nossas vidas, o direito de sermos respeitadas e julgadas por além da nossa aparência física", afirma Lívia.

Educar para desatar nós

A educação parece ser o único caminho viável para combater muitas das mazelas da nossa sociedade atual. E quando o assunto é machismo estrutural e desigualdade entre gêneros, a realidade se repete:

“Entendo que, para realizarmos mais conquistas, precisamos romper com a ideia construída de que a mulher precisa de um homem (o uso desta palavra é proposital) para se realizar, de ter filhos para perpetuar a espécie, de se responsabilizar sozinha pelos afazeres da casa e pela educação dos filhos. Precisamos trabalhar com a ideia de parceria que deve surgir já na educação das crianças a partir dos exemplos dos adultos. Além disso, as mulheres precisam acreditar em si mesmas e os homens precisam compreender estas necessidades como estruturantes para a condição do "Ser mulher". Acredito que estas sejam as portas de entrada para alcançarmos mais conquistas", reflete Wanderléia.

Os estigmas da sociedade funcionam, muitas vezes, como amarras que impedem a mulher de ir atrás dos seus objetivos. Libertando-nos do peso do que o mundo espera de nós, seremos capazes de alçar voos maiores: 

“A mulher está percebendo que não tem por que ficar presa em tantos nós, em tantas coisas que a sociedade espera de nós. Nossa geração já dá os primeiros passos, mas acredito que as próximas gerações terão uma liberdade ainda maior. Muitas mudanças estão acontecendo e tendem a acontecer. A Organização das Nações Unidas, ONU, tem a igualdade de gênero como meta, trabalha por um mundo mais sustentável, mais igualitário, um mundo em que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades e ninguém fique para trás. Ainda há muito a mudar, mas estamos no caminho, muitas mudanças estão para acontecer e a gente espera que seja para uma sociedade mais justa, mais pacífica, com uma qualidade de vida melhor para todo mundo. E a gente, eu enquanto professora e o IF Sudeste MG enquanto instituição de ensino, trabalha para que isso possa ser alcançado”, afirma a professora Danielle.    

Acreditar em nós mesmas é fundamental para construirmos uma sociedade mais igualitária. Mas, como? Com tantas violências cotidianas, com toda uma cultura que nos empurra dizendo que nosso lugar não é ali... Segundo a psicóloga do Campus Muriaé, Cássia Aparecida Andrade Bonato, esse empoderamento é possível, mas ainda é muito penoso:

“É possível fazer esse percurso sim, mas ainda é um caminho solitário e doloroso, porque a todo tempo estamos sendo bombardeadas por questões culturais, familiares, comunitárias e midiáticas nos dizendo como uma mulher deveria ser e agir. Este empoderamento não é algo fácil e nem um processo que termina, é uma desconstrução eterna. Daí a importância de espaços de educação e reflexão”, aponta Cássia.       

Assim como destacaram as professoras, a psicóloga também acredita que o caminho para a desconstrução dos estereótipos de gênero passa necessariamente pela educação:    

“Acredito que a única forma de superar a desigualdade de gênero é através da educação, tanto para homens como para mulheres. Precisamos explicar o que são as desigualdades e desnaturalizar pensamentos e comportamentos, como por exemplo: a mulher tem instinto materno, por isso cuidar de bebês e crianças é responsabilidade da mãe. O homem muitas vezes diz que não cuida porque não sabe. Não sabe ou não quer saber e se manter nessa posição de poder?”, provoca ela.  

No IF Sudeste MG         

No IF Sudeste MG questões relativas às mulheres são tratadas através de projetos de pesquisa e/ou extensão e do Grupo de Trabalho para estudo, reflexão, troca de experiências e realização de atividades referentes às Ações Afirmativas, que é subdividido em 3 frentes de trabalho: LGBTQIA+; negros; indígenas e quilombolas; e mulheres. 

Como exemplo, citamos o Meninas Digitais, do Campus Rio Pomba, um grupo que faz parte da Sociedade Brasileira de Computação, e é formado por alunas do Técnico Integrado em Informática e graduandas em Ciência da Computação. O grupo tem por objetivo contribuir para o ingresso de mais meninas no curso de Ciência da Computação e no curso Técnico em Informática, diminuir a taxa de evasão das estudantes destes cursos, além de promover ações que contribuam para o seu aprendizado e bem-estar. 

Segundo Alessandra Coelho, professora do Campus Rio Pomba e uma das coordenadoras do "Meninas Digitais", o grupo nasceu a partir da percepção da dificuldade de as alunas se sentirem confiantes e confortáveis em um curso predominantemente masculino, e também da necessidade de mais representatividade feminina dentro do Departamento Acadêmico de Ciência da Computação (DACC): 

"A área da Ciência da Computação é predominantemente masculina, tanto no ingresso aos cursos quanto no mercado de trabalho. Percebemos durante os anos de docência e trabalho que as mulheres acabam se cobrando demais, sempre achando que o que fazem não é o suficiente quando comparadas aos colegas de sala de aula ou qualidade e quantidade de trabalho desenvolvido. Além disso, mulheres da área que podem servir de inspiração ainda são poucas. Em nosso departamento, por exemplo, somos 14 professores da área, sendo somente duas mulheres", reflete Alessandra. 

Ser mulher 

 "As mulheres expressam força, vitalidade, trabalho e luta. As mulheres produzem modos de vida, de sobrevivência, de trabalho e de dinamismo demonstrando a sua atividade e identidade, marcando sua presença nos lugares onde se colocam. O mundo sem as mulheres não contaria com soluções para problemas baseadas na empatia, na sensibilidade, na escuta do outro e nas ponderações diante das decisões". 

Wanderléia da Consolação Paiva, professora do Campus Barbacena

 

 

 

 

 

"Ainda assim, diante das inúmeras dificuldades, ser mulher vale à pena porque desempenhar todos os nossos papéis é um desafio enorme e isso nos motiva a fazer cada vez mais. Estar preparada para quase tudo, senão tudo, nos faz seres únicos, a capacidade de superar-se e reinventar-se, conquistar nosso espaço e lugar e ter a possibilidade de abusar da intuição já diz muito sobre nós. Não importa quem você é, na sua história há sempre uma mulher!”

Gislaine do Carmo Silva, contínua e aluna do Curso de Letras do Campus São João del-Rei 

*Na foto Gislaine aparece com a filha, Maria Eduarda           

 

 

 

"Mesmo com tantas dificuldades, ser mulher vale à pena porque é surpreendente ter sensibilidade mesmo em situações muito tensas. Acho fascinante que as mulheres consigam administrar vários sentimentos e atividades ao mesmo tempo. Nosso cérebro é muito eficiente com os mais diversos assuntos que nos propomos a resolver. E só nós, mulheres, podemos ter sentimentos tão intensos e maravilhosos de sermos plenamente mães, esposas, filhas, profissionais, estudantes e ainda arrumar aquele jeitinho especial de ser uma supermulher". 

 Lívia Meneguitte Ávila, professora e diretora de Extensão, Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação do Campus Santos Dumont

 

 

 

"Não queremos que as mulheres sejam mais que os homens, a gente quer ter as mesmas oportunidades, os mesmos privilégios, o mesmo poder de decisão", Danielle Baliza, professora do Campus Bom Sucesso.

 

 

 

 

 

 

 

 

"Neste Dia das Mulheres, ao invés de parabenizar uma mulher, procure refletir: Quantas mulheres você admira, além da sua família ou pela beleza? Quais são suas cantoras, autoras ou cientistas favoritas? Numa roda de amigos você escuta piada machista, qual é o seu comportamento? Você gostaria que sua filha se casasse com um homem como você? Na sua casa, você divide igualmente o cuidado com as crianças e as atividades domésticas? Você procura se informar sobre temas em violência de gênero? 

Neste Dia da Mulher, eu te pergunto: sua admiração é ativa ou passiva? O que você faz realmente para diminuir a violência e a desigualdade de gênero?".

Cássia Aparecida Andrade Bonato, psicóloga do Campus Muriaé

 

 

Ao longo desta reflexão, fica claro que ainda precisamos alcançar muitas coisas para nos sentirmos em uma sociedade justa e igualitária. Que as conquistas venham logo! E que todos e todas sejamos ativos na luta pelo fim da violência e da desigualdade de gênero!

Não somos mais Amélias e também não aceitamos ganhar menos pelo mesmo trabalho desempenhado por um homem. Seguiremos na luta porque sabemos que podemos ser aquilo que quisermos ser. Que a vida imite a arte:

Não precisa ser Amélia pra ser de verdade
Cê tem a liberdade pra ser quem você quiser
Seja preta, indígena, trans, nordestina
Não se nasce feminina, torna-se mulher

Trecho de "Não precisa ser Amélia", Bia Ferreira, 2019

Fontes

IBGE. Estatística do gênero: indicadores sociais das mulheres. In: Estudos e pesquisas: informação demográfica e socioeconômica. Brasil, 2018, v. 38.

 Agência Câmara de Notícias